Princípios para a interpretação do Apocalipse

Princípios para a interpretação do Apocalipse

Por B. B. Warfield1
Trad. e introdução por Daniel P. Rodrigues

Em meio à toda Escritura, talvez não haja um livro de maior dificuldade de interpretação, causando tamanha perplexidade até mesmo entre os mais sábios e hábeis teólogos desde a igreja primitiva, que o livro de Apocalipse. Sua inerente complexidade e uso copioso de simbologia faz com que muitos, em um extremo, desprezem seu estudo, relegando a escatologia como um todo a uma ‘questão secundária’, e, por outro, designando as suas passagens os sentidos mais absurdos e exóticos possíveis, ignorando totalmente o testemunho Bíblico para sua correta interpretação.

No texto a seguir, extraído do artigo The Millennium and The Apocalypse, do notável teólogo reformado no século XX B. B. Warfield, enuncia-se quatro princípios norteadores para a interpretação do livro de Apocalipse. Em sua abordagem escatológica, B. B. Warfield seguia o pós-milenismo, adotando os princípios hermenêuticos do recapitulacionismo e do idealismo. Apesar de suas posições diferirem do que é a norma no estudo contemporâneo da escatologia, mesmo entre pós-milenistas, os princípios listados a seguir certamente servirão ao fiel estudante das profecias bíblicas, independente da visão escatológica adotada.

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Precisamos apenas manter em mente, de forma clara, uns poucos princípios primários, fora dos quais nenhuma porção do livro pode ser compreendida. Estes são, com a maior brevidade possível, os seguintes:

  1. O princípio da recapitulação: A estrutura do livro é tal que retorna ao primeiro advento no começo de cada uma de suas sete seções, e revela, no curso de cada seção, um retrato de todo o período entre os dois adventos de Cristo – com cada sucessiva representação, no entanto, se tornando mais enfática que a anterior no que tange à consumação da história que é forjada ao longo de seu curso. A presente seção, sendo a última, chega, portanto, no clímax, e toda a sua ênfase é posta no triunfo do Reino de Cristo.
  2. O princípio de visões sucessivas: As muitas visões que seguem uma à outra dentro dos limites de cada seção, apesar de estarem ligadas entre si por inumeráveis conexões, são apresentadas como visões separadas e devem ser interpretadas, cada uma, como um retrato completo em si.
  3. O princípio do simbolismo: À medida que nos deparamos com várias visões que apontam para eventos específicos, devemos manter em mente, de forma constante, o fato de que toda a estrutura do livro é composta de símbolos. As descrições empregadas não são dos acontecimentos reais em si, mas de símbolos que apontam para estes; e devem ser lidas estritamente dessa forma. Com ainda mais cuidado que no caso de parábolas, devemos evitar insistir em detalhes em nossas interpretações dos símbolos: a maioria dos detalhes são pertinentes apenas ao símbolo em si, com o simples propósito de o retratar de forma forte e enfática diante dos olhos da mente e, dessa forma, tais detalhes não devem ser diretamente transmitidos por quaisquer métodos de interpretação àquilo que é simbolizado. O símbolo como um todo simboliza o evento real: e os detalhes do retrato pertencem, primordialmente, apenas ao símbolo em si. É claro que, em uma instância ou outra, podem existir indícios que aparentem indicar que devamos contornar essa regra geral. Porém, como um princípio geral, essa abordagem não é apenas sensata, mas absolutamente necessária para qualquer interpretação sã do livro.
  4. O princípio do propósito ético: Assim como em toda profecia, é a impressão espiritual e ética que governa a apresentação, e não a intenção cronológica ou analítica. O objetivo do profeta é transmitir conhecimento, de fato – e sabedoria – não em nome do próprio conhecimento, no entanto, mas para um fim mais elevado: transmitir conhecimento para ação, e sabedoria para salvação. Ele se contenta, portanto, com o que é eficaz para o seu objetivo espiritual e nunca se perde em detalhes que não teriam outro intuito a não ser a satisfação da curiosidade da mente por conhecimento histórico ou de algum outro tipo.

Um dos efeitos do reconhecimento destes princípios primários – um efeito que a percepção deste não é mais interessante em si que os seus frutos para a interpretação do livro – é a transferência da tarefa do interpretador da região da filologia minuciosa para a da apreciação literária mais geral. A averiguação do sentido do Apocalipse é uma tarefa, digamos assim, não diretamente da crítica verbal, mas da imaginação alinhada com o espírito do texto: o ensino do livro não está imediatamente presente em suas palavras, mas nos amplos panoramas que suas visões abrem para a imaginação contemplativa. Aqui, portanto, os olhos espirituais, em vez das balanças refinadas da ciência linguística, se fazem mais necessários de forma mais evidente que na maior parte das seções da Escritura.

  1. Fonte: B. B. Warfield, The Millennium and The Apocalypse ↩︎

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